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Projeto do Google Books gera polêmica

googlebooksearch3 [Notícias] Projeto do Google Books gera polêmica

Juliana Krapp, Jornal do Brasil, Rio

Quem abre o Google Books, página virtual dedicada aos livros do buscador mais usado no mundo, depara-se com a nota: “O Google selou um acordo revolucionário com autores e editoras”. A frase solta está interligada a outra página, dedicada a explicar “o futuro da pesquisa de livros do Google”. Na semana passada, porém, o jornal New York Times anunciou que esse futuro anunciado está em xeque. O Departamento de Justiça americano, de olho na possível criação de um monopólio livreiro, abriu um inquérito para investigar o tal “acordo revolucionário” – acerto que a empresa está fazendo com editoras e autores para a reprodução de livros ou trechos de livros no Google Books. As investigações teriam partido de protestos de representantes de organizações como a Internet Archive (uma biblioteca virtual sem fins lucrativos que desde 1996 disponibiliza gratuitamente 150 milhões de páginas web) e a Consumer Watchdog (uma das principais organizações de defesa dos consumidores nos Estados Unidos), que se opõem ao acordo.

Quase ao mesmo tempo, o Google divulgava os detalhes de sua mais recente novidade no mundo tecnológico: o registro da patente 750897, que diz respeito a um poderoso scanner. Lançando mão de técnicas como raios infravermelhos, o novo equipamento escaneia textos com velocidade e qualidade muito maiores do que os convencionais, e seria um importante aliado para o projeto da empresa de criar o maior acervo de livros digitais do planeta – para o qual o “acordo revolucionário” é tão importante.

O acordo tem causado polêmica entre editoras e escritores de diferentes países. Além das manifestações de repúdio da Internet Archive e da Consumer Watchdog, a Federação de Editores da Espanha manifestou, recentemente, sua discordância diante da proposta. Na Europa e na América Latina, escritores têm apoiado ou criticado, em seus blogs, a iniciativa do Google. No Peru, o escritor Iván Thays, finalista do Prêmio Herralde de 2008, incitou em seu blog autores do mundo todo a recusarem o acordo com o buscador – isso apesar de ser ele próprio um defensor ferrenho do formato digital de livros.

– Não se pode saber o que o Google fará com esses direitos, a quem os venderá e que limites têm esse acordo ante a aparição de novas tecnologias – explicou, ao Ideias. – É outorgar um poder às cegas, e eu não estou de acordo com isso.

Período de estudos

Enquanto o debate esquenta em outros países, no Brasil autores e editores tampouco sabem ao certo do que se trata. Por enquanto, o único núcleo dedicado a debater o confuso texto do acordo é o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), que concentrou advogados na árdua missão de analisar as implicações legais da aceitação ou não dos termos propostos. Ainda assim, eles não chegaram a uma conclusão.

– Por enquanto, está tudo em aberto. Estamos estudando e discutindo com calma – justifica a editora Mariana Zahar, uma das envolvidas no debate dentro do sindicato.

O acordo surgiu quando a Authors Guild (espécie de associação de autores americanos), a Association of American Publishers (Associação de Editoras Americanas) e um grupo de escritores e editoras moveram uma ação coletiva contra o Google Books, há três anos. Em 2005, a empresa começara a digitalização de livros em várias bibliotecas americanas, compondo o material disponível para seu acervo on-line. O processo contra o Google alegava que o procedimento viola os direitos dos autores. A empresa, no entanto, nega as acusações, afirmando que só libera o acesso integral às obras em domínio público.

– No caso de textos protegidos por direitos autorais, o Google Books não exibe seu conteúdo integral (alguns trechos do livro são exibidos de acordo com uma busca feita por palavra-chave, por meio de um sistema de indexação), e isso está permitido pelas leis americanas – defende Rodrigo Velloso, Diretor de Desenvolvimento de Negócios do Google Brasil. – Além disso, o Google não lucrava com essas exibições.

Pelos termos do acordo – que ainda não foi aprovado (a audiência pública final será em outubro, em Nova York) – o Google irá pagar os direitos que devia a autores e editores. Mas, para isso, ambas as classes devem reivindicar o pagamento, o que pode ser feito por um formulário disponível no site de administração do acordo (www.googlebooksettlement.com). Os valores são fixos: o Google pagará US$ 60 pelo que chama de “trabalho principal”, US$ 15 por “inserção inteira” e US$ 5 por “inserção parcial”.

Os detentores de direitos autorais também podem optar por não aceitar a proposta do Google – mas, para isso, devem enviar à empresa, até 4 de setembro, um formulário onde indicam essa decisão. Reside aí um dos pontos mais polêmicos do acordo.

– A postura do Google é inversa à de qualquer editor decente. Ela nos diz: “nós já pegamos, sem sua permissão, os seus direitos; se quer evitá-lo, envie-nos uma carta” – protesta Thays, que já enviou a sua. – Não posso esperar nenhum acordo justo com uma empresa que atua dessa maneira desde o princípio.

Faz parte do acordo, também, a criação da Book Rights Registry, uma entidade que começará a funcionar com o financiamento de US$ 35 milhões do Google e que será gerida por associações de autores e de editores americanos (os mesmos que começaram a ação coletiva).

– É uma entidade independente, que vai centralizar os cadastros de direitos de livros e servir de intermediária entre os detentores dos direitos e os usos do Google – explica Velloso, que acrescenta: – Se no futuro uma outra empresa quiser fazer um serviço parecido ao do Google, também será intermediada pela Book Rights Registry.

A questão é: quando haverá uma empresa capaz de concorrer com o Google na digitalização de tantos livros?

– O tipo de movimento que está acontecendo com a digitalização de livros nos Estados Unidos é bom, mas desde que haja concorrência. E hoje, nenhuma empresa, exceto o Google, pode oferecer esse serviço. Sendo assim, não há concorrência – diz o advogado Ronaldo Lemos, diretor da Creative Commons Brasil (projeto sem fins lucrativos que disponibiliza licenças flexíveis para obras intelectuais).

Lucia Riff, uma das mais atuantes agentes literárias no país, também dá o seu parecer:

– É importante que haja meios de divulgação de livros como esse. Por outro lado, o acordo dá um poder inacreditável ao Google.

Esse poder ao qual se refere Lucia vem do fato de que, ao aderir ao acordo, os detentores de direitos autorais estão permitindo que o Google digitalize suas obras – mesmo que, pelo acordo, o tipo de visualização disponível no buscador seja definido de antemão.

– Além disso, o acordo só se aplica aos livros que não estão comercialmente disponíveis, ou seja: os esgotados – assegura Velloso.

O que não acalma muito as preocupações da turma do contra, uma vez que, segundo dados do Online Computer Library Center (OCLC), citados pelo próprio Velloso, dos 55 milhões de títulos existentes no mundo hoje, 10% representam o catálogo ativo das editoras, 15% estão em domínio público e 75% – ou 40 milhões – são livros não comercializados, que ainda não estão em domínio público.

É aí que entra uma outra questão crucial para a polêmica do acordo: os chamados livros “órfãos”, ou seja, que não têm direitos autorais definidos. Alguns grupos acusam o Google de aproveitar o acordo para obter o passe livre para a venda desses títulos. Velloso, no entanto, afirma que a receita obtida com a visualização dessas obras é que irá garantir a sobrevivência, no futuro, da Book Rights Registry.

Por enquanto, o que está previsto no acordo, segundo o diretor, é que o Google vai disponibilizar aos usuários a visualização de 20% das páginas de uma obra – sem permitir cópias ou impressões – e comercializar o acesso on-line aos livros completos. A receita obtida com essa venda será dividida da seguinte forma: 63% para os detentores dos direitos autorais e 37% para o Google. No caso de títulos órfãos, o valor equivalente aos direitos autorais seria repassado ao Book Rights Registry. Além disso, o Google também poderá “vender” sua base de dados para instituições como universidades e centros de pesquisa.

Barreiras geográficas

Outro fato bastante polêmico é que, caso seja aprovado o acordo, a enorme biblioteca virtual criada pelo Google ficará disponível apenas para quem estiver em território americano – ou melhor, para quem tiver no computador um IP americano – uma vez que as leis de direitos autorais variam de país a país.

– Esse acordo, infelizmente, acaba reforçando as barreiras geográficas da internet, o que é uma tendência cada vez mais forte – lamenta Lemos.

Mas, se no quesito acesso as barreiras geográficas são ressaltadas, no momento de organizar o monumental acervo que se tornará o Google Books, as fronteiras são tênues. Eis aí um outro ponto controverso no acordo: como ele parte da digitalização de livros disponíveis em bibliotecas americanas, e estas reúnem acervos de diferentes nacionalidades, muitas obras brasileiras, por exemplo, estão à mercê do acordo. Embora os detentores de seus direitos raramente estejam atentos a isso.

Mariana Zahar, quando baixou a planilha com a descrição dos livros de sua editora que se enquadrariam no acordo, ficou pasma. Em vez dos cerca de 50 títulos que imaginava disponíveis, havia 750. Agora, ela precisa decifrar, junto com os advogados acionados pelo sindicato, as mais de 400 páginas que descrevem o acordo, e discutir com os seus colegas o que é mais saudável para o mercado: acatar ou não as regras do jogo, que está, atualmente, repleto de pontos obscuros.

– O caso de livros de literatura estrangeira que já estiveram no nosso catálogo, mas estão agora esgotados, por exemplo, nos traz um problema. Porque os direitos da obra em si foram revertidos para a fonte original, mas os direitos para tradução para o português é nossa. O que fazer? – pergunta.

Em meio às dúvidas de Mariana, se sobressai o desconhecimento de editores e autores brasileiros, que ainda sequer começaram a moldar uma opinião sobre o assunto.

– Não estou totalmente a par – explicou elegantemente Bernardo Carvalho.

– Não estou acompanhando a discussão – disse Patricia Melo.

– Estou totalmente por fora desse assunto. Sou um péssimo internauta – assegurou Milton Hatoum.

Já Daniel Galera é um dos poucos a ter uma opinião mais definida:

– Apóio a digitalização de livros e acho que as empresas que investirem nisso devem, sim, ter direito a uma parcela de copyrights. Mas não preciso liberar um livro meu para o Google Books porque posso eu mesmo colocar o texto na rede e distribui-lo da forma que quiser.


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